Neste Dia Nacional da Consciência Negra, gostaria de registrar o texto da aluna no IFMG Campus Arcos, Beatriz Lacerda Miranda, sobre a autora Carolina Maria de Jesus e seu legado, a partir do evento "Bibliotecas IFMG".
Live Carolinas:
mulheres negras na literatura brasileira, Youtube.com/Bibliotecas IFMG,
2020.
“Carolina: Mulher, negra e revolucionária”
As convidadas, Amanda Crispim Ferreira – Professora UEL e pesquisadora
de literatura negra e escrita feminina e Juliana Silva Santos – Professora do Campus Ibirité e
coordenadora do Grupo Carolinas (grupo de estudos sobre mulheres e
interseccionalidades) trazem na live um pouco da História da escritora Carolina
Maria de Jesus.
Carolina Maria de Jesus, escritora negra e favelada, nascida por volta
de 1914, viveu em um país com um contexto de mais de três séculos de escravidão
institucionalizada, tomou a pobreza quase como uma herança do sistema colonial.
“27 de maio de 1958: (...) parece que quando eu nasci o destino
marcou-me para passar fome. (JESUS,2019, p.39)”
Mulher, negra, pobre e
mãe solo, Carolina assumiu o risco de falar. Falava, não por que, mas apesar
de, toda a sociedade dizer que não devia, que se silenciasse. Ela usa “quarto
de despejo”, que depois veio a se tornar o nome de sua obra, como uma metáfora
para as pessoas que a sociedade vê como o resto.
“4 de julho de 1958: (...) o
que deixou-me preocupada, foi o prédio ter 82 andar, ainda não li que São Paulo
tem prédio tão elevado assim. Depois pensei, eu não saio do quarto de despejo,
o que posso saber que se passa na sala de visitas.”
Carolina, usa suas obras como um desabafo,
escreve memorias, não só individuais como coletivas, de uma herança da
escravidão e da vivencia dos efeitos dela no cotidiano. Um exemplo, é o Festival do Escritor
Brasileiro em 1961, onde ela foi quase que “folclorizada”, por ser a única
negra em meio a tantos outros escritores, além de ter sido “esquecida” na
reportagem do evento, onde ela não teve o nome citado, ainda lhe foi dito que
“Ela deveria ser mais modesta”.
Ou seja, ela era vista
como uma afronta a sociedade, a um país racista, classista e machista, onde
toda hora lhe era questionado “porque você, uma nega metida, está ousando
falar?”
Carolina teria sido
muito mais, se a sociedade não estivesse sempre tentando jogá-la para baixo, e
ela mesmo assim, ousava.
“Uma mulher negra feliz, é um ato revolucionário.”
Ela reconstrói imagens de
controle, reconstrói a imagem da mulher negra serviçal, trabalhadora braçal,
raivosa, ignorante e estabelece o amor próprio, ela se coloca, como
protagonista da sua vida.
“Eu escrevia peças e apresentava aos
diretores de circos, e eles respondiam-me: É pena você ser preta. Esquecendo
eles que eu adoro a minha pele negra e meu cabelo rustico, se é que existe
reencarnação, eu quero voltar sempre preta.”
Ao acessar a palavra
poética, Carolina subverte o lugar imposto para as mulheres negras na
sociedade, a servidão.
“Eu disse: meu sonho é escrever.
Responde o branco: ela é louca, o que as negras devem fazer é ir pro
tanque lavar roupa.”
Carolina não nasceu rodeada de livros, mas de palavras. Ela nasceu em
uma casa, que ela tem ali o seu avô, que ela carinhosamente apelidou de
Sócrates africano, que era um Griô, então ela cresce ouvindo as histórias de
seu avô.
Ainda que pouco, Carolina
teve letramento, cresceu ouvindo literatura e passou dois anos na escola, onde
era a primeira da turma.
Seu primeiro momento de
escrita, em 1937, foi quando ela escreveu uma quadrinha para uma freira, que
iria ser transferida, e como uma homenagem ela escreve uma quadrinha.
Em 1940, o jornalista Ville
Aureli faz uma reportagem com Carolina, onde ela é colocada pela primeira vez
como poetisa e também quando ela tem a sua primeira publicação, que foi o
poema O Colono e o Fazendeiro.
A partir daí, ela começa a
ser reconhecida na cidade como poetisa, e começa a viver para o seu ideal, que
é viver de literatura, não só no sentido psicológico, que ela usa inclusive em
um de seus trechos refletindo a vida na favela, mas no sentido literal.
“É preciso criar um ambiente de fantasia na favela, para poder
sobreviver a favela.”
Conhece Audálio Dantas no
início de 1958, jornalista que propôs que ela escrevesse um diário, prometendo
publica-lo. Então Carolina escreve um diário, já sabendo que ele seria
publicado, nesse momento ela traz a ideia de um diário como um gênero
literário, o jeito que ela escreve, como ela coloca trocadilhos e metáforas,
como ela mistura o discurso direto e o indireto, tudo faz parte do projeto
estético que ela vai apresentando para o leitor, para mostrar que ela era uma
escritora e uma intelectual a frente do seu tempo.
O acordo com Audálio Dantas
não foi de todo bom, Carolina sofria censura por seus editores, ela queria recitar
seus poemas e eles não deixavam, ela queria dançar, atuar, e eles não deixavam,
queriam que ela continuasse sempre ali, como a mulher do diário. Coisa que o
próprio Audálio Dantas deixa muito claro já na abertura de Casa de alvenaria.
“[...]você contribuiu poderosamente para a gente ver melhor a
desarrumação do Quarto de Despejo. Agora você está na sala de visitas e
continua a contribuir com este novo livro, com o qual pode dar por encerrada a
sua missão. Conserve aquela humildade, ou melhor, recupere aquela humildade que
você perdeu um pouco- não por sua culpa- mas no deslumbramento das luzes da
cidade. Guarde aquelas suas “poesias”, aqueles “contos” e aqueles “romances”
que você escreveu. A verdade que você gritou é muito forte, mais forte do que você
imagina, Carolina.” (DANTAS, 1961)
Além disso, era
explorada, escrevia e vendia seus livros, mas não recebia. Por ser uma mulher,
mãe e sem marido, só conseguiu ser publicada com a influência de um homem
branco, homem esse que ordenava a seus editores que não lhe entregassem
dinheiro.
“Escrevi o Quarto de Despejo, para ter
dinheiro e não tenho dinheiro por que o senhor Dantas deu ordem a seus editores
internacionais para não me dar dinheiro. Por que é que eles não fazem isso com
os escritores brancos?”
Carolina foi uma mulher que inaugurou uma
tradição literária de mulheres negras, ao se infiltrar na literatura, Carolina
vai trazendo outras mulheres negras para a literatura, Carolina questiona a
ideia de livro, de autor, e assim ela inspira outras mulheres, ela abre esse
caminho para que outras mulheres possam caminhar e falar, assim como ela.
“Quando a mulher negra se movimenta, toda a
estrutura da sociedade se movimenta com ela.” -Angela Davis