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terça-feira, 1 de maio de 2012

Ler é uma viagem... (relato reflexivo)


Por Viviane Martins


A leitura, para mim, é uma viagem sem destino certo. A cada texto ou cada livro é um lugar que conheço, um ser que me identifico com quem troco sentimentos e emoções. É possível ser o que se sonha, lendo um livro.
Comecei a ler muito cedo, mas não me recordo qual o primeiro livro que li. Lembro de minha mãe contando histórias de sua terra natal, Santa Catarina, histórias sonoras que me acompanham ainda hoje.
Na escola tomei paixão pelos livros, lia todos que os professores indicavam. Aos 12 anos li meu primeiro cânone: Memórias Póstumas de Brás Cubas. Claro que na época não fui capaz de compreender as ironias machadianas, mas lembro-me de reconhecer seu brilhantismo.
Li muitas e muitas obras da Literatura Brasileira, presentes de uma professora de Português, no Ensino Médio. Do amor pelas Letras, fui estudar... Letras!!! E desde a Universidade não passo um dia sem ler.
Hoje, se você olhar minha bolsa, algumas vezes você pode não encontrar um batom, rs, mas um livro você sempre encontrará. 
E essa herança eu quero deixar aos meus descentes: o amor pela leitura.

Uma crônica sobre dois amigos, um morto e um cachorro!


O morto que dismorreu


Por Viviane Martins

A história que vou contar aconteceu na cidade de Itapipoquinha do Norte, lá pras bandas do Ceará. E cidade pequena, já viu, todo mundo conhece todo mundo e quem pode mais, chora menos.

Acontece que na cidade tinha um velho muito turrão que passava o dia arrumando encrenca e arrastando um cachorro pela corda. Do seu Tonho da Taboca, como era conhecido, não escapava ninguém. Brigava com crianças, mulheres e nem o padre da paróquia escapou.

Mas não é a história da vida do seu Tonho da Toboca que eu vou narrar. Vou contar sobre sua morte que virou dismorte. E pensar que tudo aconteceu comigo e com meu vizinho João!

Na época eu morava sozinho e o João com sua mãezinha, a dona Clô. Na noite anterior à morte do Tonho, tava a gente tomando uma coisinha no bar do centro quando o velho chegou resmungando, xingando todo mundo porque alguém tinha amarrado uma lata no rabo do seu cachorro. Coisa de criança, de certo, mas na falta de criança, a marmanjada teve que escutar.

O João foi tentar argumentar com o velho, pra acalmar o homem, mas que nada, piorou foi as coisas e eles acabaram discutindo. Eu, tentando defender o João, entrei na briga e foi o maior bololó.

Esbravejando, o velho saiu gritando:

- Eu te pego, seus fio de fuampa!!

- Arre, véio mal-criado, Jerônimo.

- Deixa pra lá, João. Se embora pra casa.

Eu e João voltamos pra casa e agora que o inacreditável aconteceu... Como todo dia, acordei às 5 da manhã pra trabalhar e quando abri a porta, na área de minha casa, estiradinho, com o maldito cachorro do lado, tava ele, o Tonho da Taboca.

- Valei-me, minha Nossa Senhora! Que diabos esse véio tá dormindo em minha porta?

Cutuquei o homem com o pé e nada. O cachorro gania e eu tava com medo que o infeliz acordasse a vizinhança!

-Vou chamar o João.

Peguei o telefone e liguei para o celular do João, afinal já imaginou o susto da dona Clô se eu batesse na porta naquela hora?

- Aaaalô?

- João, é o Jerônimo, pelo amor de Deus, acorda e me ouve.

- Jerônimo, isso é hora, home?

- João, tu não sabe o que aconteceu? Lembra do veio que a gente se meteu naquele emboléu de ontem, lá no bar?

-Ah, véio Tonho. Vai dizer que ele tá na tua porta?

- E num é que tá! Mortinho na minha porta!

- Como é que é? Arre, tu matou o véio?

- Deixa de ser abestado, home. Claro que num matei o véio. Mas que ele tá mortinho na minha porta, ele tá. E junto do maldito cachorro!

- Tô indo aí pra gente vê o que faz.

João desligou o celular, saiu sem fazer barulho para não acordar a dona Clô, e chegou em minha casa.

- Vixe, que esse véio mal morreu e já tá fedeno!

- O fedor é desse monte de cocô que esse cachorro lazarento fez na minha porta! O que vamo faze, João? Chamar a polícia?

- Não, Jerônimo! Todo mundo viu a nossa briga, vão achar que nóis demos cabo do véio! Vamo é sumi com ele daqui.

- E o cachorro?

- Vai junto, ué. Vamo coloca esse chapéu nele e enrolar um lenço no pescoço, pra ninguém reconhecer. Aí a gente deixa ele sentado num banco da praça que alguém vai encontrar...

- E achar que ele morreu ali, de bebedeira!

- Isso. Amarre o cachorro e coloque nessa bolsa, ele é pequeno e cabe.

Nós dois, em compasso, levantamos o Tonho e ele ficou apoiado, como se tivesse  bêbado. Para andar no nosso passo, o João deu de amarrar as pernas do morto nas nossas, e assim, quando nós andávamos, parecia que ele também andava. O cachorro, eu levei nas costas.

Não foi fácil driblar as pessoas que passavam por nós, o padeiro, dois matutos que iam pra roça e até o vigário que tava regando as flores da igreja nos primeiros raios de sol.

- Dia, padre! Resolvemos dar uma caminhada logo cedo, respirar ares matinais.

- Fazem bem, filhos! Mas, seu amigo não está muito agasalhado para o dia de hoje?

- Que nada, padre, ele é do sul, sente frio à toa. Passar bem, padre!

- Vão com Deus!

“Aff, só se for nóis, porque o diabo já deve ter carregado o infeliz do Tonho da Taboca!”, sussurou o João.

O fato é que chegamos ligeiro na praça. Sentamos o infeliz num banco, bem embaixo de uma jaqueira, quem sabe eles não podiam achar que ele morreu por conta de uma jaca na cabeça?

Feito isso, sentamos um de cada lado do morto, pra rezar um Pai-Nosso pela alma do pobre infeliz e daí, em pleno “Amém”, num é que o véio dana de se mexer! Resmunga alguma coisa, e de olhos fechados, se deita no banco!

- Valei-me que é zumbi!

- Rala daqui, Jerônimo, que ele voltou do inferno pra levar nóis!

Nunca corri tanto na minha vida. Em cinco minutos tava de volta em minha casa, escabefando. O João veio logo atrás, botando os bofes. Só no dia seguinte que a gente descobriu o acontecido de verdade. O velho sofria de Catalepsia.

- Cata o que?

- Catapsia, Jerônimo, uma tal doença que faz a pessoa morrer e dismorrer, coisa assim.

- Aff, minha mãe do céu. E ele tinha que vim morrer justo em minha porta?

- Que bom que o infeliz não se alembra de nadica!

É, minha gente, e essa é a história do morto que dismorreu em Itapipoquinha do Norte.